Lei Seca: PRF ainda autua um motorista a cada 10 minutos
A Lei Seca comemora 17 anos em junho, comemora o que, na verdade? Uma vez que a PRF ainda autua um motorista a cada 10 minutos.
Ou seja, marcando quase duas décadas de uma das mais importantes legislações de trânsito, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) revela desleixo dos motoristas.
Trata-se de um cenário de intensificação da fiscalização, mas com desafios persistentes na mudança comportamental dos motoristas brasileiros.
No primeiro trimestre deste ano, os agentes de trânsito autuaram um motorista a cada 10 minutos por desobedecer à Lei Seca (constatação de alcoolemia e recusa ao teste).
Apesar do aperto na fiscalização, as autuações por constatação direta de álcool no organismo (Art. 165) caíram 16,7%, passando de 2.509 em 2024 para 2.089 em 2025.
Por outro lado, as autuações por recusa ao teste do bafômetro (Art. 165-A) mantiveram-se praticamente estáveis, com leve aumento de 1,4% (11.305 para 11.466).
“O alto número de recusas ao teste do bafômetro é um indicador preocupante de que ainda existe resistência à mudança de comportamento”, analisa Adalgisa Lopes, psicóloga especialista em trânsito e presidente da Associação de Clínicas de Trânsito de Minas Gerais (ActransMG).
A especialista explica que muitos motoristas ainda calculam os riscos com base na chance de serem pegos, e não nos perigos reais.
A Lei 11.705, sancionada em 19 de junho de 2008, estabeleceu tolerância zero para o consumo de álcool por motoristas.
Em 2012, a Lei 12.760 endureceu a legislação, ampliou as formas de comprovação da embriaguez e aumentou o valor da multa.
Posteriormente, novas alterações tornaram a recusa ao teste do bafômetro uma infração equivalente à constatação de embriaguez.
A criação da lei surtiu efeito: nos primeiros 10 anos após o surgimento, a Lei Seca salvou aproximadamente 40 mil vidas e poupou 235 mil pessoas de invalidez permanente, segundo estimativa da Escola Nacional de Seguros.
Para Giovanna Varoni, psicóloga especialista em trânsito e diretora da ActransMG, o maior desafio continua sendo cultural.
“Existe uma normalização social do ‘beber e dirigir’ que ainda persiste em determinados grupos. Muitos ainda veem como aceitável tomar ‘só uma cervejinha’ antes de pegar o volante, ignorando que mesmo pequenas quantidades de álcool já afetam o tempo de reação e a capacidade de julgamento”, explica.
“O alto índice de recusas ao teste do bafômetro revela que muitos motoristas conhecem a lei, mas buscam brechas para evitar as penalidades mais severas. Isso alimenta a sensação de impunidade que tanto prejudica a efetividade da Lei Seca”, complementa Adalgisa Lopes.
Especialistas podem interpretar de formas distintas o contraste entre o aumento da fiscalização e a redução nas autuações por constatação direta de embriaguez.
“Quando analisamos que mais de 84% das autuações em 2025 foram por recusa ao teste, percebemos que ainda estamos longe de uma verdadeira cultura de responsabilidade no trânsito”, pondera Giovanna Varoni.
“A recusa muitas vezes é uma estratégia calculada, baseada na percepção de que as consequências jurídicas podem ser menos severas.”
Para o futuro é preciso investir em educação e conscientização. “Precisamos trabalhar na desconstrução da ideia de que beber e dirigir é apenas uma infração administrativa ou uma questão de ‘azar’ se for pego. É uma conduta criminosa que coloca vidas em risco”, enfatiza Adalgisa Lopes.
As especialistas entendem que o combate à impunidade é fundamental: “Quando a sociedade percebe que há consequências reais e consistentes para quem dirige alcoolizado, a tendência é que o comportamento mude. O problema é que muitos ainda apostam na impunidade ou em recursos jurídicos para escapar das penalidades”, comenta Giovanna.
A Lei Seca é um marco na segurança viária brasileira, mas seu sucesso depende de uma mudança cultural profunda.
“Enquanto o ato de beber e dirigir não for socialmente inaceitável em todos os contextos, continuaremos enfrentando resistência. O desafio não é apenas legal ou fiscalizatório, mas fundamentalmente educacional e cultural”, conclui Adalgisa.